Especialista em reprodução humana, Ricardo Pimentel, explica que o diagnóstico da doença pode levar de 8 a 12 anos pela carência do exame adequado realizado por um profissional capacitado
Embora maio seja o Mês das Mães, o dia 7 é marcado pelo Dia Internacional de Luta Contra a Endometriose. Atualmente, estima-se que endometriose afete entre 2% e 10% das mulheres em idade reprodutiva, representando mais de 190 milhões de mulheres espalhadas pelo mundo. Para o médico ginecologista e especialista em Reprodução Humana, Ricardo Pimentel, é justamente um dos pontos mais dramáticos da doença que à liga ao Dia das Mães: sua relação com a infertilidade. “Até 50% das pacientes que têm dificuldade para engravidar podem ter endometriose”, afirma.
As causas da endometriose ainda são incertas
Como explica o ginecologista, a endometriose é uma doença enigmática, pois apesar de várias teorias tentarem explicar, a sua verdadeira origem ainda é controversa. Ela pode ser incluída no grupo das doenças inflamatórias crônicas, definida pela presença de tecido semelhante ao endométrio – embora se comportem de forma parecida, não necessariamente são células endometriais – fora do útero, em locais como bexiga, intestino, ovários, ligamentos e regiões extra pélvicas como cicatriz umbilical e diafragma.
“Apesar de sua origem ser provavelmente multifatorial, envolvendo fatores genéticos, hormonais, inflamatórios, imunológicos e anatômicos, uma das teorias mais comumente aceitas é a da menstruação retrógrada. Ela afirma que as trompas são canais pérvios que comunicam a cavidade uterina com a abdominal, portanto sendo possível que o conteúdo de dentro do útero caia na pelve. Em local ectópico, elas deveriam ser combatidas pelo sistema de defesa, que também falha, permitindo sua proliferação”, esclarece.
Outro dilema está relacionado ao seu diagnóstico, onde a média de tempo entre o início dos sintomas e o diagnóstico da doença pode levar de 8 a 12 anos. O especialista lembra que até pouco tempo o método diagnóstico “padrão ouro” era a Laparoscopia, praticamente uma abordagem cirúrgica, que hoje foi substituída pelos métodos de imagem como o ultrassom e a ressonância magnética. Com eles, quando realizados por um profissional capacitado, já é possível alcançar altos índices de acurácia.
De dores crônicas à infertilidade
Como é um tipo de tecido responsivo a hormônios, principalmente estrogênio-dependente, é mais comumente encontrada nas mulheres em idade reprodutiva, embora as consequências clínicas possam perdurar para além da pós-menopausa. Os sintomas mais comuns são cólicas menstruais intensas, dor de profundidade na relação, dores crônicas acíclicas, presença de sangue nas fezes e urina durante o período menstrual e infertilidade.
No entanto, a endometriose pode manifestar-se com quadros atípicos tais quais, fadiga, dores no ombro ou pneumotórax cíclicos e sangramentos umbilicais. Também por isso, é importante ter atenção especial com adolescentes com quadros de ausências escolares cíclicas e início de uso de pílula anticoncepcional precoce para controle de cólicas recorrentes.
Apesar de ainda haver extenso debate na literatura, o médico afirma que a endometriose dificulta a gravidez por dois motivos principais, por distorcer a anatomia e por tornar o ambiente pélvico tóxico. “O que acontece é que as estruturas começam a aderir umas às outras, ou seja, o ovário gruda no útero e com isso a trompa vai junto, bem como intestino, bexiga e por aí vai. Assim, estruturas importantes para a fecundação, como as trompas, não conseguem exercer o seu papel de buscar o óvulo para permitir o encontro com o espermatozoide”, argumenta. Da mesma forma, sempre que a paciente menstrua, o tecido secreta substâncias que deixam o ambiente tóxico, do ponto de vista inflamatório.
Tratamento e chances de gravidez
De acordo com o especialista, a endometriose deve ser considerada como um problema de saúde pública e pode impactar diretamente na qualidade de vida da mulher, comprometendo o seu desempenho em atividades físicas ou rotineiras, sua vida social, educação, desempenho profissional, relacionamento conjugal e até mesmo sua saúde mental e emocional.
Diante disso, seu tratamento deve lidar principalmente com o aspecto da dor (componente hormonal e anti-inflamatório) e o da infertilidade. O ginecologista explica que enfoque da dor envolve terapias hormonais como pílulas combinadas ou métodos progestagênicos isolados, como dispositivos intrauterinos e o implante subcutâneo, associado a uma completa mudança no estilo de vida, adotando hábitos saudáveis baseados em uma boa alimentação e atividade física regular, que ajudam a combater o componente inflamatório da doença. “Somente em casos específicos, principalmente dor refratária ao tratamento clínico e complicações como a obstrução intestinal, o tratamento cirúrgico é indicado”, argumenta.
Já para as pacientes que desejam engravidar, o especialista em reprodução humana ressalta que a fertilização in vitro é hoje o tratamento que oferece as melhores chances de sucesso. Mesmo nos casos de doença em estágios avançados, as técnicas de reprodução assistida conseguem devolver boas chances de sucesso à paciente, a depender de outros fatores de infertilidade. “A endometriose distorce a anatomia pélvica, mas na fertilização in vitro não precisamos das trompas, já colocamos o embrião direto na cavidade uterina. Ela também deixa o ambiente pélvico tóxico, mas como aspiramos o óvulo antes do fenômeno ovulatório, ele não entra em contato com esse ambiente”, destaca.
De acordo com Ricardo Pimentel, já existem vários trabalhos comparando mulheres da mesma idade e reserva ovariana, com e sem a doença, com resultados de gravidez semelhantes. “É importante frisar que a estimulação ovariana controlada, necessária durante o tratamento, não piora o quadro e nem aumenta as chances de recidiva da doença. Além disso, já é sabido que o simples fato de ter endometriose não aumenta a probabilidade de o embrião ser alterado geneticamente”, pontua.
Por fim, o médico ginecologista reforça a importância de consultar um especialista em reprodução humana quando é feita a opção pelo tratamento cirúrgico. Segundo ele, métodos como o congelamento de óvulos antes do procedimento podem evitar uma falência ovariana prematura, que encerraria ali a probabilidade da mulher engravidar com os próprios gametas.